Hora de caminhar - Hora de caminhar com Misty Copeland

🎁Amazon Prime 📖Kindle Unlimited 🎧Audible Plus 🎵Amazon Music Unlimited 🌿iHerb 💰Binance

Misty Copeland: Caminhar sempre foi para mim uma forma de fuga, uma maneira de ir para longe do que estou acostumada, que é uma caixa cheia de espelhos, um estúdio de balé. Eu adoro me movimentar e andar é uma forma mais sutil de dança.

[MÚSICA DE INTRODUÇÃO]

Sam Sanchez: É hora do “Walk”, onde as pessoas mais interessantes e inspiradoras do mundo compartilham as suas histórias, fotos e músicas que influenciaram suas vidas. Misty Copeland quebrou várias barreiras ao se tornar a primeira negra a ser promovida a dançarina principal no prestigiado American Ballet Theatre. Nesta caminhada, Misty troca a sua movimentada vizinhança de Manhattan por trilhas naturais no Bronx. Ela compartilha como superar as adversidades que lhe deram embasamento para redefinir a imagem de uma bailarina.

[SOM DE CAMINHADA]

Misty Copeland: Estamos na natureza agora, esta é uma ótima maneira de sair da cidade e sentir uma parte da Terra, o que eu acho que é uma boa maneira de redefinir a minha mente.

Eu tenho cinco irmãos e, literalmente, o meu apelido era Rato porque eu era tão tímida e nunca expressava as minhas opiniões ou era sempre levada por uma em particular.

O ponto mais baixo da minha infância foi quando a minha família teve que se mudar para um hotel barato. Ficávamos trocando de hotéis durante aquele ano, nos hospedamos onde dava para pagar. Nós éramos em seis irmãos, e mais a minha mãe e acabamos ficando por mais tempo em Gardena, na Califórnia. Não era uma região muito segura. Havia muitos restaurantes questionáveis, postos de gasolina e lojas de bebidas. Eu, por trás de tudo isso, em segredo, eu encontrava privacidade ouvindo música. A música era parte da nossa família. Era como uma fuga para a situação em que a minha família se encontrava.

Quando eu tinha por volta de 12 anos, eu decidi fazer um teste para entrar na equipe de líder de torcida da escola, o que foi um choque para a minha família, visto que eu era muito introvertida. A minha irmã estava na equipe e a minha mãe tinha sido líder de torcida profissional. Eu decidi que seguiria os passos delas, e acho que essa foi a primeira vez na vida que tive algum objetivo. Eu decidi que iria fazer o teste para ser a capitã da equipe. Eu fiz a minha própria coreografia e acabei ganhando a vaga.

Quando eu comecei a rotina e a liderar a equipe, a treinadora me chamou e disse: “Acho que você tem dom e acho que pode ir além de só dançar na escola.” E ela me indicou para receber aulas de ballet de graça que estavam sendo oferecidas em uma organização sem fins lucrativos da qual eu já fazia parte. Eu e meus irmãos ficávamos nessa organização no período da tarde porque minha mãe não tinha onde nos deixar enquanto ela trabalhava.

Eu me lembro de ir bastante ao ginásio porque os meus irmãos jogavam basquete. Eu estava sempre lá. Mas era a primeira vez que eu estava indo sem ser para ver basquete. Havia ballet, barras, uma professora, a Cynthia Bradley, e algumas crianças que ela estava tentando levar para a sua escola com bolsa integral e que nunca tinham tido oportunidade ou sido expostas à dança clássica. E algumas semanas se passaram, e todos os dias me diziam para entrar na aula de ballet, mas eu me escondia na arquibancada. Acho que ela me deu alguns dias, para não me assustar.

Finalmente, a professora Cynthia chegou até mim tentando negociar porque eu não estava com a roupa adequada. Ela disse: “Não quero saber, coloque as roupas de dança.” Eu me lembro de ir até o vestiário e pensar: “Isso está realmente acontecendo?” Eu me segurei na barra e ela começou a me mover. E me lembro de ela colocar o meu pé perto de sua orelha e me pedir para segurar a perna nessa altura, sabe? Com a força do músculo, e eu segurei. E com uma aula ela ficou impressionada, ela disse que eu era especial, algo que ela nunca tinha visto antes. Ela começou a usar a palavra prodígio, que eu nunca tinha.

Finalmente, a professora Cynthia disse: “Poderia me dar o número da sua mãe?” E aquele era outro passo que eu estava com vergonha de dar. Eu não queria incomodar a minha mãe com isso. Ela estava com muitos problemas e o ballet era algo que ela não iria priorizar. Ela tinha seis filhos, precisava mantê-los fora das ruas, na escola e colocar comida na mesa.

Em um momento, eu cedi e passei o número e elas conversaram. Tivemos alguns altos e baixos, a minha mãe às vezes falava sim e tínhamos que encontrar meios para que eu fosse até a escola de ballet da Cynthia. Eu cresci muito, mas isso se tornou um outro fardo para a minha mãe. E ela me disse que eu teria que parar. Eu me lembro de dar essa notícia à Cynthia e foi arrasadora, para nós duas eu acho.

Mas lembro que ela me disse: “Posso, pelo menos, te dar uma carona até a sua casa?” E eu quase morri porque ninguém nunca tinha visto onde eu morava, mas eu cedi e pensei: “Quer saber? Esta será a última vez que eu a verei, então não importa se ela vir onde eu moro.”

Ela dirigiu até o motel, estacionou e ficou de boca aberta. Ela não acreditava que eu morava lá e nunca tinha dito nada. Ela me deixou e 10 minutos depois, bateu na porta. Ela conversou baixinho com a minha mãe, eu não consegui escutar. Alguns minutos depois a minha mãe disse: “A Cynthia quer saber se quer ir morar com ela e treinar intensamente porque ela acha que você tem talento para ser profissional.”

Eu mal consegui acreditar, mas nós concordamos que eu iria. Eu arrumei as malas com as poucas coisas que eu tinha, algumas roupas e livros e fui embora. Eu morei com ela por três anos e esse foi o início da minha carreira de bailarina.

Eu cresci rápido por fazer parte do mundo do ballet, acho que muitas crianças precisariam passar por essa experiência. Eu comecei a ir melhor na escola e me tornei mais sociável. Eu conseguia me comunicar melhor. E acho que as pessoas não entendem muito isso. As pessoas só enxergam alguém rodopiando de saia. Mas o ballet me possibilitou conseguir me comunicar e falar melhor, a ser mais empática, mas carinhosa e mais confiante. Foi graças a ele que me tornei a mulher que sou hoje.

A minha família me vê no Madison Square Garden com o Prince, no Metropolitan Opera House com o ABT e pensam: “Nossa, legal.” Mas quando me veem falar em frente a milhares de pessoas, eles pensam: “Quem é essa garota? Nós nunca imaginávamos que a Misty se transformaria nessa garota.” E acho que tudo começou lá… naquela arquibancada. O ballet me deu voz e ferramentas para conseguir me expressar.

[SOM DE CAMINHADA]

Eu me lembro de uma vez que estava em Tóquio, em uma turnê com o American Ballet Theatre. Eu me lembro de ser chamada na sala do diretor, ele tinha dito para uma dançarina que queria que eu fosse a principal bailarina em sua nova criação de “Pássaro de Fogo”. Eu me lembro de ter ficado enlouquecida por que não é normal se ter uma oportunidade dessa aos 29 anos, isso não é comum, ser chamada para ser a principal em um clássico do ballet nessa idade, ainda mais para uma negra.

“Pássaro de Fogo” é um conto de fadas antigo e a personagem Pássaro de Fogo é uma criatura mística que é um pássaro. Ela voa. Ela tem poderes mágicos, tem penas… ela é uma pessoa boa, mas é selvagem e livre, ninguém pode domá-la.

É um papel icônico, sabe? Como quando se pensa em “O Lago dos Cisnes” ou na Julieta de “Romeu e Julieta” ou na Aurora de “Bela Adormecida”. É um clássico que está no ballet há muitos anos.

Eu recebi essa notícia no Japão e fiquei muito animada e o ABT entraria em férias. Nesse período muitos dançarinos vão fazer papéis de convidados com outras companhias ou fazem algum trabalho extra. E a Dance Theatre of Harlem me chamou para trabalhar com um grupo de dançarinos negros.

E foi nessa época que descobri pelo Twitter que eu iria fazer parte do elenco de “Pássaro de Fogo” e teria um dos três papéis principais. Eu me lembro de ter ficado nervosa e das dançarinas me perguntando: “Está tudo bem? O que foi?” Eu disse: ”Fui chamada para fazer ‘Pássaro de Fogo.’” E todas nós começamos a chorar. Eu me senti tão grata naquele momento e compartilhar com outras negras foi inacreditável.

Chegamos em Nova York para a temporada de primavera no Metropolitan Opera House, e há um enorme outdoor atrás da fonte do Met. E era a minha foto em “Pássaro de Fogo” e eu me lembro que foi mais um daqueles momentos em que pensei: “Não sou eu! Aquilo é uma negra na frente do Met.”

E aquilo foi uma oportunidade para convidarmos a comunidade negra para se juntar a nós. Muitos deles nunca se sentiram aceitos e nunca acharam que poderiam se juntar a isso porque não haviam sido representados.

Eu estava com muita dor na minha canela esquerda. Mas eu sabia que eu precisava fazer a performance em Nova York, eu precisava provar para mim mesma que eu conseguia carregar uma companhia nos ombros em um trabalho clássico.

A música que o Pássaro de Fogo dança é bem rápida e intensa.

Eu subo no palco e consigo ver uma plateia negra, na maioria dos espetáculos não dá para ver a plateia. Mas eu não precisei ver. A música parou e houve um momento de silêncio.

[SILÊNCIO]

Mas claro, a plateia aplaudiu muito.

[APLAUSOS E COMEMORAÇÕES COMEÇAM]

Para mim, saber da plateia de negros que estaria lá, era o suficiente para que eu conseguisse terminar o espetáculo mesmo com a dor que eu estava sentindo.

[FIM DOS APLAUSOS E DAS COMEMORAÇÕES]

Eu terminei a minha primeira performance, que foi uma experiência inacreditável, incrível e com a metade do Met ocupada por negros e pardos que foram lá para apoiar um membro da comunidade deles. Mas eu soube, no fim da apresentação, que eu não poderia mais dançar. Se eu continuasse dançando e pulando com a minha perna, eu sabia, no fundo do meu coração, que eu acabaria com a minha canela. Eu descobri que eu estava com seis fraturas por estresse e três delas eram quase irreversíveis.

Na manhã seguinte, eu fui avisar o diretor que eu teria que me retirar da temporada. Eu me lembro de passar pelo Met e ver o meu cartaz ainda lá, mas eu sabia que outra pessoa me substituiria. E saber que muitas pessoas tinham pego avião de todas as partes do mundo para ir me ver, é muito frustrante. Eu me lembro de andar e andar, mesmo não devendo estar fazendo isso. Eu pensei: “Vou fazer cirurgia mesmo, vou aproveitar este momento.”

Eu me lembro de passar por um Starbucks e um cara sai de lá gritando o meu nome. Era um amigo que eu não via há anos. Ficamos parado uns 30 minutos conversando na rua. Ele me contou sobre uma organização chamada MindLeaps em Ruanda e de quanto as crianças de lá eram incríveis e como usavam a arte e a dança para introduzi-las no mundo da educação e da escola. Eles compraram uma casa na vila local e a transformaram em um estúdio de dança com uma cozinha onde podiam alimentar as crianças e um local em que elas pudessem tomar banho também. Eles traziam as crianças das ruas. Eles as convidavam tocando música e as deixando dançar e à medida que viam a consistência dos alunos, indo à escola todos os dias, eles os apresentavam para diferentes cursos de educação.

Eu me lembro de chegar em Ruanda.

Não importa onde eu esteja no mundo. Eu sempre me arrumo um tempo de manhã para fazer uma aula de ballet. Em MindLeaps, eles me deixam usar o estúdio lá de manhã, antes de as crianças chegarem, para que eu possa ficar sozinha e treinar. Há janelas nas laterais do estúdio e do outro lado há espelhos. Eu estava na barra e olhei para fora e havia uma criança varrendo o chão. Eu olhei de novo e ele estava imitando tudo o que eu fazia. Ele estava fazendo pliés e tendu… eu fiquei maravilhada de ver alguém em um ambiente daquele, com não sei quantos traumas na vida, mas que encontrou um momento para escapar de tudo. O nome do garoto era Ali, e ele acabou sendo um dos garotos que eu apadrinhei. Foi como ver um reflexo de mim mesma, sentada na arquibancada até que alguém me conduziu para a dança.

O que as crianças aprenderam pelo fato de eu ter ido lá, eu acho que foi o fato de saberem que eu tinha tido uma experiência parecida com a delas, mas claro que não com tanta pobreza como eles têm em Ruanda, mas uma pessoa que tinha se tornado alguém e estava forte o suficiente para poder compartilhar. Para mim, esse foi o meu maior sucesso. Não é sobre o que fiz e com quem ou aonde eu dancei, mas sobre ser um exemplo e levar oportunidade para as pessoas nessas situações.

Eu me lembro de acordar com uma mensagem de uma amiga minha e estava escrito: “O Prince quer o seu telefone.” Eu fiquei totalmente confusa. Eu liguei para ela e disse: “Do que você está falando?” E ela me disse que fazia um ano que o Prince estava tentando me contatar.

E um dia depois, eu estava ao telefone com ele, que me disse que estava gravando um vídeo para a música “Crimson and Clover”. E me pagou para pegar um avião e me encontrar com ele.

Eu cheguei no estúdio no dia seguinte e eu não tinha ideia do que eu faria naquele cenário. Eu estava trocada, pronta e o Prince chega e se apresenta. Ele se senta, sem falar nada, e me deixa improvisar e criar a minha própria coreografia para a música. Nós jantamos naquela noite e compartilhamos as nossas experiências parecidas de criança, por termos sido muito artísticos. E ele me convidou para a sua turnê.

Ele disse: “Improvise, faça a sua coreografia para as músicas e quando eu entrar você sai.” Foi a primeira vez que eu recebi essa liberdade e responsabilidade como dançarina. O mundo do ballet não funciona dessa maneira. Tudo é muito coordenado e ensaiado e os dançarinos não podem opinar em nada.

E eu me lembro de dançar com ele pela primeira vez na turnê do “Welcome 2 America”. Fazia tempo que ele não fazia mais turnês. Na primeira noite, eu estava dançando a música “The Beautiful Ones”, eu subi no palco e me lembro de fazer o meu solo e de quase cair quando ele pegou o microfone durante a minha atuação e disse: “Senhoras e senhores, esta é a Senhorita Misty Copeland.”

E eu pensei: “Meu Deus!”

Como dançarinos, nos dizem para sermos gratos por qualquer oportunidade que nos dão, sabe? E eu sei que sou dançarina do Prince, mas não é assim que ele me enxergou.

Ele me viu como uma artista com a qual ele estava atuando. Eu acho que aquela noite foi um passo enorme para mim como artista e como pessoa. O Prince me mostrou que sou especial e que isso é poderoso, e acho que eu nunca tinha percebido isso. Foi o tempo com ele que me fez ser quem sou como pessoa e como mulher.

[SOM DE CARRO PASSANDO]

Eu amo o caos da cidade de Nova York e a sua velocidade, mas às vezes, é bom trocar um pouco o passo e o cenário. Só ouço os pássaros e o vento, sem carros e sem buzinas ou sirenes.

[MÚSICA COMEÇA]

Esta música realmente me ajudou em momentos difíceis. A letra e a emoção da cantora enquanto canta, me deram paz de espírito. A música é “I Gotta Find Peace of Mind” de Lauryn Hill.

[MÚSICA - “I GOTTA FIND PEACE OF MIND” DE LAURYN HILL]

Esta música tem uma linda representação do amor negro. É uma linda interpretação em que os negros têm uma intimidade, um afeto, e em que os dois parceiros são iguais. Acho que esta música representa isso. A música é “Best Part” de H.E.R.

[MÚSICA - “BEST PART” DE H.E.R.]

Eu acho que fazer e assistir danças para uma música te faz ouvi-la diferente e é assim que me sinto sobre esta música.

[MÚSICA COMEÇA A TOCAR]

Eu escolhi esta música com a intenção de ver dançarinos dançando ao som dela. Há algo sensual, comovente e apaixonante nela. Eu amo este tipo de música… dessas que você pode relaxar e curtir o momento em que está. A música é “Free” de 6LACK.

[MÚSICA - “FREE” DE 6LACK (VERSÃO DEPURADA)]

Foi um lindo dia, poder sair e refletir sobre muitas coisas que me inspiraram, me motivaram e me guiaram durante a minha jornada. Obrigada por andarem comigo hoje.